quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Auto-domínio

Este é o artigo mais difícil que terei escrito até agora. Mas cá vai...

Comecemos pelo "início"...
A semana passada, estava eu a chegar ao consultório do psicólogo, telefonaram-me a dizer que a consulta iria atrasar-se 20 minutos. Tudo bem. Entretive bem o tempo no entretanto (pode até ter sido devido a este incidente que conseguirei o meu emprego; pelo menos concorri a mais um conjunto de quatro). Chegando lá, esperei mais 20 minutos. No total, a consulta começou 40 minutos mais tarde.
O psicólogo referiu isso... como o ponto de partida para eu perceber que não sou só eu que falho. Toda a gente falha... Mas antes de chegar(mos) a essa conclusão ele ainda tentou puxar pela minha "raiva" perante a situação - o que até nem seria sem sentido, uma vez que ele sabe que, para chegar a horas à consulta, tenho dormido em casa de uma amiga (sozinho(helas!), em cama estranha e mais perto do gabinete dele, tem resultado...). Ou seja, exceptuando uma vez em que a consulta foi de tarde, desde Quinta-feira à noite até Sexta à hora do almoço, esqueço tudo o que tenha potencial para me desviar de chegar à consulta a horas!
No entanto, tendo em conta o que escrevi "Novidades (resumindo todas as entradas sobre Retinopatia)", esta é, possivelmente a coisa mais importante que eu tenho para fazer agora, uma vez que trata directamente de resolver o meu maior probvlema actual: falta de controlo/auto-domínio. Sem isso, não consigo resolver o meu problema da retinopatia, conseguir e manter um emprego ou ter relacionamentos saudáveis e felizes...
Daí eu entrar num certo estado... de "paz absoluta e imperturbável" durante o período que vai de Quinta à noite até Sexta de manhã. Não posso permitir-me distrações que me possam fazer perder a consulta e o prosseguimento daquilo que procura alcançar através dela.

O auto-domínio foi o nome a que eu e o psicólogo chegamos no fim da minha primeira consulta deste ano... Isto a proósito do que me levava a eu pedir (de novo) a sua ajuda, um ano depois... De eu falar do meu problema agudo com horários... Dos problemas pessoais que tive na segunda metade do ano passado... Dos meus primeiros anos de vida e da minha família... Do meu vício de dois meses na cocaína (essa toda!) e do que sentia antes (enquanto a fumava, na "prata") e depois (a ressaca).
Enquanto a cocaína fazia o seu efeito... o que é que eu sentia? "Um domínio, auto-domínio... Como nunca senti antes nem depois."
"Claro que a ressaca era exactamente ao contrário." E era mesmo. Enquanto fumava, estava cheio de força, inteligência e coragem. Depois... fraco como tudo, burro como um cepo, cobarde.

Um pequeno àparte, que talvez interesse ao(à) leitor(a) sobre os efeitos neuro-biológicos da cocaína. A cocaína (tal como qualquer outra droga "recreativa", incluindo o alcool, o tabaco ou o chocolate), tem um efeito directo sobre os receptores de dopamina, associados à sensação de prazer e satisfação.
No entanto, e nisto a cocaína é (quase) única, a "branquinha" tem outro efeito... Existe uma coisa chamada adrenalina que (como saberão), é uma hormona produzida naturalmente pelo corpo humano para reagir a situações de alto risco.
Na realidade (e aqui já falo por dedução, não por leitura de artigos científicos), é uma hormona que está "activa" em nós mais vezes do que pensamos... Simplesmente está em "equilíbrio", em doses moderadas e contrabalanceada por outras hormonas "calmantes". Permite-nos continuar a "lutar" pela vida, ao mesmo tempo que saboreamos outras sensações.
Esta "luta pela vida" pode ser fonte de prazer... É muitas vezes associada à expressão "sentir-me vivo(a)". Há formas "naturais" de sentir isto, quer através dos chamados "desportos radicais", quer ainda, em termos genéricos, e inclusive em contexto profissional, exprimida pela palavra "desafio". De facto, estudos científicos sobre o stress, dividem o dito em duas formas: eustress e distress. O primeiro é um stress positivo, produtivo, sinónimo de "entusiasmo" e reacção positiva ao desafio. O segundo é negativo, destrutivo, aquilo em que normalmente pensamos quando falamos de "stress", desânimo, exaustão e/ou frustração perante o problema. Estudos mostram que o eustress não consegue ser mantido indefinidamente, tem de haver um período de descanso entre desafios/tensões, caso contrário, o mesmo acaba por levar à exaustão. Note-se que o descanso pode ser activo, ou seja, uma mudança de um desafio para outro pode ser tão revitalizante como o descanso passivo - isto varia de pessoa para pessoa e de situação para situação... para resumir a coisa. Abaixo um gráfico do Eustress/Distress (partindo de uma reacção positiva faze a um "problema" ;)):
Voltando `cocaína (salvo seja!)... O efeito da adrenalina é anulado por uma outra subst^»ancia que libertamos naturalmente no nosso corpo, chamada noradrenalina. Esta "entra" quando o "risco" que desencadeou o "pico de adrenalina" desaparece... ou seja, quando "desta já nos safamos!" E é aqui que entra a cocaína! Esta ... coisa... anula o quê?... Anula o efeito da noradrenalina!!! Ou seja, o corpo continua a "pedir" adrenalina... Mesmo não existindo nenhum perigo real que o justifique! Percebem?... Sentadinhos, "a dar na prata", sem a mínima preocupação e a sensação é como se estivessem ao volante de um Fórmula 1!... Até o corpo já não conseguir produzir mais adrenalina, ou sequer lidar com a que já tem a correr.
Grande "pequeno" àparte, hein?...

A minha "saída" da cocaína teve origem numa noite em que fui para a praia com uns amigos, beber vinho e fumar uns charritos. Tudo muito "inocente"... Que eu soubesse ou saiba, ninguém ali andava nas "duras". estava tudo na galhofa e tal, sem stresses, quando, quase de repente, eu começo a chorar incontrolavelmente. Aquilo foi, para mim, naquele momento, descer demasiado abaixo de mim.
Os meus amigos foram impecáveis comigo, depois de duas ou três perguntas, simplesmente levaram-me a casa. Lá, sozinho, confrontei-me com duas hipóteses: ir comprar meia-grama (uma seria demais naquele estado), ou passar tudo para o papel. Escolhi a segunda. Não foi fácil.
A título de exemplo, e porque este blog é sobre diabetes, durante 40 horas não conseguia comer - as náuseas que me davam quando tentava eram fortes demais. "Mas os diabéticos não têm que comer a horas certas?" perguntarão talvez vocês. Pois... e os tipo 1 como eu também têm que tomar injecções de insulina diariamente. Durante essas 40 horas, também não tomei insulina - dava-me tonturas. Morava então sozinho.
Finalmente, esgotado pela ressaca, sem comer e sem insulina... estava quase a pontos de ir para o hospital (sabe Deus como lá conseguiria chegar!), fui vomitar à casa de banho, arrastando-me literalmente pelo chão até lá chegar desde a cama abaixo da qual me atirei. Voltei para a divisão principal (era um T0), tomei a insulina e comecei a recomeçar a viver. Foi isto há cerca de seis anos e meio.
Tive três "recaídas", na verdade foram três "experiências únicas". Ou sejam, foram três vezes em que voltei a consumir, mas que findo o "produto", não voltei a buscar mais durante um longo período. A primeira foi uns 3 ou 4 meses depois de largar. A segunda, uns 8 ou 9 meses depois. A terceira, cerca de dois anos depois da segunda.
Chegaram a dizer-me que eu não sabia (nem sei) o que é estar viciado na coca, pois enquanto a fumava ainda estava bem. Ok, entendo isso, mas o que eu sei do vício da cocaína, para mim, chega e sobra! Durante mais de um ano após a minha saída, acontecia-me ainda, com alguma frequência (talvez uma vez por mês ou em dois meses), sentir uma vontade quase incontrolável de fumar "branca". Tudo o que eu podia fazer ,nesses momentos, era sentar-me e esperar que passasse. Mais nada! Nem pensar sequer.

Mas tudo isto veio a propósito do meu auto-domínio... Ao longo da minha última consulta, percebeu-se (o meu psicólogo vai-me ajudando a conhecer-me a mim mesmo, e é assim também que ele me vai conhecendo) que eu tenho um trauma contra a minha própria agressividade. Um "trauma contra a minha própria agressividade" foi o que eu disse - NÃO disse que sou uma pessoa agressiva!! Pelo contrário: é esse o meu problema: tento controlar em demasia a minha agressividade!... Tento controlar-me demasiado... E o problema é que consigo... até rebentar... normalmente cá dentro e longe de olhares alheios...
E depois de rebentar, volto ao "auto-controlo"... Está mal! Este ciclo controlo-descontrolo foi gradualmente aumentando o meu... descontrolo... obviamente! Este meu descontrolo repercutiu-se em imobilidade. Primeiro, passei por uma fase de inércia excessiva. Se ia a 1200km/h não parava! Se estava parado, não arrancava... Os arranques que me ia forçando a fazer acabavam por ir de encontro a... paredes de betão! As dores de cabeça levaram-me a tendencialmente... parar. Até ao ponto em que já quase não tinha iniciativa para nada.
Aqui, tenho que fazer uma nota: Sinceramente, há muito que me irritavam e ainda irritam as pessoas que, tendo tudo para dar certo... simplesmente não davam nem dão o pouquíssimo que precisam para as coisas andarem, por pura preguiça e comodismo! EU NUNCA cheguei a este extremo!
O que disse acima, sobre a minha inércia e imobilidade, refere-se ao potencial que eu sei que tenho, que já realizei algumas vezes, e que, esse potencial... pareci ter perdido. Não foi nada como "alapar-me" À sombra da bananeira e deixar-me estar sossegadinho... Foi mais o contrário... Tanto mexer e procurar que... como um tremor... como tremer tanto tanto tanto que acabamos por "gelar" hirtos. O corpo não está descontraído. Está tenso... tão tenso que mexer pode partir. Tão tenso que já não controlamos a energia que temos acumulada. E por isso temos medo de a usar.
Consegui ter iniciativa para pedir ajuda. E estou a ser ajudado.

Por hoje, fico-me por aqui, que já não é pouco. Tenciono depois falar de como o auto-controlo execessivo me faz ter medo de deixar ir...
De como tenho medo de errar, e de como tenho mais medo ainda de "esquecer" esse medo... Com medo de voltar a cair numa cocaína ou coisa parecida.
De como tenho que ir soltando isto, e ao mesmo tempo continuar a viver e a lutar pela vida quando necessário.
E pronto, acho que acabei de falar do que queria! :D

Só mais uma coisa!!! Caí na cocaína porque ela me dava o domínio que eu pensava que precisava! Mais do que disse nas frases anteriores... é isto!
Tenho que aprender a confiar mais no imprevisto e no incontrolável.
E, aquilo que me disse o psicólogo, tenho que aprender a confiar mais no meu lado agressivo... Aquele que eu tentei quase toda a minha vida fechar em mim... ao ponto de ser uma coisa que, como eu lhe disse, me faz sentir "medo, frustração, tensão... e que me é completamente desconhecida." Uma parte de mim que me é completamente desconhecida e que preciso conhecer...

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pela coragem!

dmc disse...

Agradeço o elogio. :)